“Ser criança não significa ter infância”. Não poderia haver uma
frase melhor para transmitir a idéia deste documentário que mostra as
diferenças entre o que é ser criança em uma família que vive em situação de
pobreza e outra de classe média no nosso país. O vídeo fala por si só, mas vou
fazer aqui algumas considerações sobre questões que me surgiram enquanto estava
assistindo.
Logo no início aparece o
depoimento de mulheres que tiveram muitos filhos e que perderam alguns deles. É
impressionante a forma como elas se referem a isso, como se a morte de crianças
fosse uma coisa natural: “morreu...
morreu de morte (risos)”. Uma mulher conta que teve vinte e oito filhos e
que desses somente seis estão vivos: “esses
aí não eram pra ser meu, era Dele, Deus me deu e Deus tomou” “eu acho que tão
no céu... os que Deus deixou pra mim tão aí, já grande, já criado.
Para as crianças inventa-se a
infância quando lhes permitem brincar, ir a escola, ser criança. É possível
notar uma diferença significativa entre as atividades de ambas as classes
sociais. Enquanto que nas crianças de classe média as atividades giram mais em
torno de educação e lazer (ir à escola, jogar vídeo game, andar de patins, de
bicicleta, fazer balé, etc), as crianças em situação de pobreza tem como principal
atividade o trabalho. Em relação ao motivo que os levam a trabalhar, aparece a
questão da sobrevivência.
É interessante notar que crianças
de ambas as classes sociais, apesar do estilo de vida muito diferente, relatam
coisas muito parecidas em relação as suas atividades. Ambas se consideram
responsáveis e se dizem sobrecarregadas com as tarefas do dia a dia: “às vezes eu durmo direto por que eu to
muito cansada”, “carrega um pouco esse monte de coisa que a gente tem pra
fazer” (relato de duas meninas de classe média sobre o excesso de
atividades a que estão vinculadas).
As condições em que vivem as
famílias das crianças que estão trabalhando são claramente muito precárias e,
muitos dos direitos mais básicos (pra não dizer quase todos) lhes são negados. Segundo o artigo 6º da Constituição Federal, “são
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
E ainda, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente “é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
A pergunta que fica é: como essas famílias vão garantir os
direitos às suas crianças quando tem os próprios direitos negados? Num primeiro
momento podemos culpar esses pais pela situação de trabalho infantil em que as
crianças se encontram, mas acredito que a questão seja muito maior. Essa
negligência (se é que assim se pode dizer) por parte dos pais é resultado de uma
série de fatores que, como já dito, estão associados à negação de muitos outros
direitos básicos. É difícil pensar que em pleno século XXI, enquanto se fala em
taxas muito reduzidas de mortalidade infantil, uma mulher relate ter tido VINTE
E OITO filhos e que somente seis tenham sobrevivido.
Voltando a questão do trabalho infantil, é preciso pensar nos
riscos a que estas crianças estão expostas:
“o meu trabalho é quase o
mesmo dos adulto... é uma vida de adulto... trabalho duro, perigoso, a pessoa
pode se cortar, furar um olho.... as vezes se corta, se fura”. Além disso,
muitas estão fora da escola para poder trabalhar, mas será que é possível
pensar em garantia de direitos sem acesso a educação?
Outra coisa que chamou atenção é
que se por um lado o trabalho aparece naturalizado na vida dessas crianças (“eu acho que eu trabalho porque não tem jeito,
tem que trabalhar mesmo”, “se a pessoa fica em casa é muito mais pior porque
não ganha nada”) por outro elas tem consciência da sua condição de pessoa
em situação peculiar de desenvolvimento (“criança
não é que nem adulto, as crianças não deviam trabalhar não, mas não tem jeito”.
Para concluir, talvez seja
possível pensar esses indivíduos como “crianças
do século passado”, considerando que à não tanto tempo atrás, a infância que
nós conhecemos, como fase especifica do ciclo vital nem mesmo existia, e as
mesmas eram consideradas como “mini adultos”. Diante disso, é triste constatar
que por motivos socioeconômicos estas crianças não tenham acesso as conquistas
que vieram com a mudança de perspectiva do nosso século com relação a infância.
Referências:
Constituição da República
Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
Parabéns pela postagem!
ResponderExcluirExcelente texto!
Bom texto.
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